terça-feira, 20 de novembro de 2012

Rimas

Encontrei esse texto de Luiz Fernando Veríssimo, sobre rimas. Achei muito legal e resolvi postar:

O homem chegou em casa assustado:

-Está por toda a cidade, é uma sina: todo mundo falando em rima.
-O que? -perguntou a mulher.
-Uma compulsão, um vírus, algo no ar. Não diz mais nada sem rimar.
-Que absurdo -disse a mulher- um vírus da rima, ninguém é obrigado a falar o que não quer, seja homem ou mulher. Nenhuma lei... meu Deus,peguei!
-É na rua, é em casa, é em todo lugar. Não se fala sem rimar.
-Mas é uma barbaridade, ser poeta contra a vontade!
-Concordo, é um absurdo. Mas o que fazer? Estou confuso.
-Só há um jeito de se rebelar, resistir e não rimar...
-Como?
-Não falar.
-Mas como nos comunicaremos, se não com as vozes que temos?
-Escrevendo, por que não? Ninguém manda em nossa mão.
-Sei não, será que muda? E se eu escrever como o Neruda?
-Não é hora pra chilique. Pegue um papel, e olha a Bic.

O homem experimenta escrever uma frase no papel. Depois recua, horrorizado.

-Estou quase tendo um ataque. Escrevi como o Bilac!
-Será uma coisa generalizada, que atingiu ate a empregada?
-Vamos ver se é ou não é. Chame a Nazaré.

A mulher chama a empregada.

-Nazaré, vem aqui um minutinho?
-Já vou indo, um instantinho. Estou fazendo ensopadinho.

O homem e a mulher se abraçam. É uma epidemia. A rima tomou conta do país. Mas por quê? O homem tenta racionalizar.

-Tem que haver uma razão, um motivo, uma explicação.
-Será que, de repente, tem a ver com o presidente?
-Você quer dizer o Maravilhoso...
-Que?
-...Fernando Henrique Cardoso?
-O Cardoso, Maravilhoso? Me admira você, que votou no PT!
-Você não esta entendendo? Eu não sei o que estou dizendo!

-Calma, não se apoquente. Fale outra vez, pausadamente.

O homem faz um esforço, mas não consegue.

-Maravilhoso. Fernando. Henrique. Cardoso.
-Tente outra rima, com urgência critica. Quem sabe 'horroroso', por uma questão de coerência política?
-Não consigo, não vê? Tente você!
-O...
-Sim?
-Esplendoro...
-Não!
-Fernando Henrique Cardoso.
-Já vi, é uma perfídia. Tudo culpa da mídia. Nós não estamos enfeitiçados, estamos é condicionados.
-Há uma rima oficial no país. Ninguém mais controla o que diz.
-Quem variar é exótico, até impatriótico.
-Paciência, relaxemos. Isso passa, esperemos...
-Eu até diria assim: rima melhor quem rima no fim.

Aparece a Nazaré na porta da cozinha.

-A senhora chamou? Aqui estou.
-Nada, nada, Nazaré. O ensopadinho, de que é?
-De vitela cortadinha. Batata, vagem e cebolinha.
-Parece uma beleza, pode botar na mesa.